quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

REFLEXÕES SOBRE O PROVINCIANISMO (Reflections on Provincialism)

Não é de admirar, de facto, que a grande maioria da humanidade civilizada seja mentalmente provinciana, porque o urbanismo mental é mais difícil de se estabelecer que o geográfico (geodético). O que porém será de admirar é se formos encontrar os sintomas de provincianismo entre a minoria, entre o escol e o escol do escol.
Se, assim, em grande número de nações há um provincianismo geral do escol, sucede que, naquelas em que tal se não dá assim, continua a dar-se, de outro modo. Aqui é o escol inteiro, em suas três camadas, ou duas, que manifesta o provincianismo. Ali é a maioria do escol, por ter perdido a capacidade de absorver as ideias emanadas do escol menor.
Nos tempos da Renascença, como, precedentemente, nos da Idade Média, uma doutrina superior não tardava em ser conhecida, e, onde não fosse adoptada, pelo menos rejeitada criticamente. Agora, uma doutrina superior dificilmente passa para as camadas cultas, e, quando ali chega, chega como o equusdo epigrama francês — mudou bastante no caminho.
Repare-se no que, em todos os povos do mundo, se passa em matéria de doutrina política. A política prática continua a correr nas mesmas calhas, ou em calhas quase as mesmas. No entanto fervilham doutrinas críticas da política, com que ninguém na prática se importa. Tudo quanto se tem feito recentemente de alterações nas constituições ou leis fundamentais, são expedientes da política acidental, movimentos do oportunismo — nunca a aplicação de princípios críticos, de doutrinas sociológicas.
s.d.
Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980.

  - 6.

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